sexta-feira, 16 de março de 2012

O piso salarial para professores

 Artigo (Naercio Menezes Filho)



Em julho de 2008, o presidente Lula sancionou a lei que criou o piso salarial para os professores da rede pública. O valor desse piso atualmente é de R$ 1.451. Vários Estados e municípios alegam não ter condições de pagá-lo. Por isso, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) acaba de convocar uma greve nacional de professores, que está tendo adesão em vários Estados. Em que medida o piso salarial é a melhor forma de valorizar o professor brasileiro?
Antes de tudo, é importante ressaltar que é fundamental valorizar a carreira de professor. Apesar de não ser condição suficiente para garantir o aprendizado, várias pesquisas mostram o impacto positivo que um bom professor pode ter na vida dos seus alunos. Além disto, nas sociedades em que o professor é mais valorizado, os melhores alunos do ensino médio escolhem essa carreira, o que cria um círculo virtuoso. Mas, será que o piso salarial com as regras atuais é a melhor maneira de conseguir valorizar o professor e aumentar a qualidade do ensino?

Parece-me que não. Segundo as regras atuais do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), todos os Estados e municípios têm que gastar 25% de sua receita de impostos e transferências com educação. Além disso, 60% desse montante tem que ser gasto com a educação básica e, mais importante, 60% desses recursos têm que ser gastos com salários dos professores em exercício. Assim, os professores de cada Estado recebem (em tese) 9% das principais receitas dos Estados. Os recursos do FUNDEB são distribuídos entre as redes municipais de cada estado de acordo com a proporção dos seus alunos no total.

Essa regra pode "estrangular" todos os outros gastos com educação que não seja a folha de pagamentos

Quais as vantagens do FUNDEB? A principal vantagem é que o aumento dos gastos com professores acompanha a expansão das receitas dos municípios e Estados. Assim, quando a arrecadação do Estado cresce, os professores ganham mais, ou mais professores são contratados, de acordo com as necessidades de cada rede. O valor do gasto mínimo por aluno, que deve ser seguido em todos os Estados e municípios, é determinado pelo governo federal, que complementa os gastos de cada ente federativo até que esse valor seja atingido, transferindo recursos para os estados e municípios mais pobres. Assim, se o valor determinado pelo governo federal for alto demais, ele próprio terá que arcar com o ônus de transferir mais recursos. De fato, o governo federal tem feito isso de forma crescente nos últimos anos, o que reduz a desigualdade nos gastos entre os Estados.

Entretanto, desde 2008 foi instituído o piso salarial para os professores, que funciona em paralelo com a regra do FUNDEB. O piso fixa o salário mínimo inicial dos professores para uma jornada de até 40 horas semanais. É interessante notar que o reajuste do piso é determinado justamente pela evolução do gasto mínimo por aluno, fixado pelo governo federal para o FUNDEB. Entre 2009 e 2012 o valor do piso passou R$ 950 para R$ 1.451, um aumento de 52%, frente a uma inflação de 17%.

Assim, temos duas regras determinando os valores gastos com professores da rede pública no país: o FUNDEB e piso salarial. Quais as desvantagens do piso? Em primeiro lugar, ele assume o mesmo valor em todo o país, enquanto o custo de vida varia muito de um lugar para outro. O poder de compra de um professor que recebe o piso em Recife é 25% maior do que o de um professor que recebe o piso, mas vive em Brasília. Além disto, o salário pago por cada município independe das suas receitas, ao contrário do FUNDEB.

Vale notar que a lei do piso determinou também que 1/3 da jornada de 40 horas do professor deve ser gasta com atividades extra-classe. Assim, como cada professor está trabalhando menos horas na sala de aula, serão necessários mais professores para as redes, todos recebendo o valor do piso. Isso pode fazer com que os prefeitos deixem de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, correndo o risco de serem acionados judicialmente ao final do mandato. Além disso, essa regra pode "estrangular" todos os outros gastos com educação, que não sejam salários dos professores.

Finalmente, o governo federal não ajuda os gestores locais a arcar com os maiores salários. O governo simplesmente fixa o valor do piso e transfere para os gestores locais a responsabilidade pelo pagamento, usando os recursos do FUNDEB. É por isso que governadores e prefeitos estão reclamando. Dados da PNAD de 2009, por exemplo, mostram que, enquanto no DF, Acre e Amapá quase todos os professores recebiam acima do piso, nos municípios da Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Minas Gerais, mais de metade dos professores recebiam salários abaixo desse valor. Assim, para valorizar o professor o melhor seria aumentar o valor do gasto mínimo por meio do FUNDEB e fiscalizar sua aplicação. Ou mudar a regra de reajuste do piso.

Há, além de tudo, uma questão de horizonte temporal. Apesar do seu impacto financeiro imediato, o aumento no salário dos professores só terá efeito na qualidade da educação no longo prazo, se os movimentos corporativos permitirem. No curto prazo, tem acontecido exatamente o contrário. Mesmo nos lugares em que recebem acima do piso, como no DF, os professores aderiram à greve, sem motivo aparente. Quem perde sempre são os alunos, que não tem nada a ver com essa história e continuam sem aprender quase nada.


Naercio Menezes Filho é professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper - e professor associado da FEA-USP. Escreve mensalmente às sextas-feiras

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