Os meses de março e abril de 2011 foram significativos para a população afrodescendente no Brasil. No ano internacional voltado a esses povos, a representação da UNESCO no país realizou uma série de encontros e debates regionais para lançar a primeira edição completa em Português da Coleção da UNESCO História Geral de África (HGA), que em paralelo foi entregue a 8 mil bibliotecas universitárias e públicas do país.
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UNESCO/Edson Fogaça- Representante da UNESCO no Brasil, Vincent Defourny, entrega Coleção História Geral da África à ministra Luiza Bairros e ao governador Jacques Wagner em Salvador. |
Antes, em dezembro de 2010, a Coleção foi disponibilizada gratuitamente online ao público com apoio e financiamento do Ministério da Educação (MEC) e coordenação técnica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR).
Além de debates e mesas-redondas, programação cultural, atividades relacionadas à tradição afro-brasileira e integração com movimentos sociais também fizeram parte dos eventos.
“O Brasil está devolvendo para a África sua própria história. E o lançamento da edição em português da coleção em várias partes do país ajuda a reconstruir a ponte entre a nação e o continente africano. Especialmente porque ele entra em consonância com desejos e reivindicações antigas dessa população ao retratar e disseminar aspectos da identidade e características que ajudaram a formar o povo brasileiro”, diz o Representante da UNESCO no Brasil, Vincent Defourny.
Até agora, os eventos foram realizados em cinco estados brasileiros. A previsão é que até o final do ano, todas as regiões do país sejam contempladas.
Comemorando a integração
No Ceará, em 25 de março, no aniversário da abolição na cidade de Redenção – a primeira brasileira a acabar com a escravidão, o representante da UNESCO no Brasil, Vincent Defourny fez uma entrega especial da coleção à recém criada Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), e à prefeitura municipal de Redenção, onde a universidade está sediada.
Cultura e tradição
Na Bahia, estado marcado pelo maior percentual da população afrodescendente no país, as celebrações duraram três dias e contaram com a presença de quatro especialistas africanos que integram comitê internacional da UNESCO para o uso pedagógico da coleção HGA . As primeiras entregas da coleção foram feitas para movimentos sociais de forte tradição afrodescendente no estado e no país, o Ilê Ayê e o Olodum, que há duas décadas vêm tentando garantir a igualdade e inclusão da população negra via cultura e educação.
A tradição também foi foco do encontro em Cachoeira, cidade do Recôncavo Baiano conhecida por ser o berço do Samba de Roda, patrimônio imaterial da humanidade. Além de uma mesa-redonda na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, foram realizadas visitas a uma irmandade religiosa e a um terreiro de candomblé, nos quais se teve a oportunidade de conhecer um pouco mais do sincretismo religioso e da preservação das tradições religiosas africanas, bem como da luta para preservar a identidade cultural e a dignidade.
Em Salvador, na Universidade Federal da Bahia, o lançamento foi marcado por um dia inteiro de debates que reuniram especialistas africanos e brasileiros. A ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Luiza Bairros, e o governador do estado, Jacques Wagner, participaram do encontro e receberam um exemplar da coleção das mãos do Representante da UNESCO no Brasil e do coordenador de Diversidade do Ministério da Educação, Antônio Mário Ferreira.
História em foco
Em São Paulo, na capital paulista o teatro Tucarena, na PUC, ficou pequeno para acomodar todos os participantes dos debates que tomaram toda a quarta-feira, dia 06 de abril. Estudantes, acadêmicos, professores e movimentos sociais debateram com os especialistas questões relacionadas a produção de saberes históricos, à formação acadêmica de profissionais, a identidade negra e até mesmo sobre a própria construção da coleção da UNESCO História Geral da África. O brasileiro Fernando Mourão, que participou do comitê científico para a redação da coleção, e o historiador e embaixador brasileiro Alberto Costa e Silva foram alguns dos palestrantes convidados pela UNESCO para participar do encontro.
Filme e educação
Em Minas Gerais, dois momentos marcaram o lançamento. O primeiro foi a exibição e o debate a respeito do documentário “Terra Deu, Terra Come”, do diretor Rodrigo Siqueira. Por meio de uma linguagem inovadora, o filme aborda temas importantes para a cultura afro-brasileira, como a presença da tradição dos povos de origem banto na cultura mineira e aspectos da historia da mineração na região de Diamantina, tendo como cenário Quartel do Indaiá, uma comunidade quilombola. No dia 13 de abril, o auditório da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas recebeu especialistas para discutir os caminhos da educação das relações étnico-raciais e suas potencialidades frente à disponibilização em Português da coleção História Geral da África.
Comemoração estadual
No dia 19 de abril foi a vez de Pernambuco receber o lançamento da coleção, realizado a convite do governo do estado para marcar a abertura das atividades estaduais relativas ao Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes. De acordo com o Jorge Arruda, assessore especial do governo, a obra fortalece e empodera as ações afirmativas, a promoção da igualdade racial e o combate ao racismo institucional”.
O poder transformador da cultura
A coleção de quase 10 mil páginas foi construída ao longo de 30 anos por 350 pesquisadores, coordenados por um comitê científico composto por 39 especialistas, dois terços deles africanos. Sua disponibilização em língua portuguesa e a realização dos lançamentos regionais integram uma estratégia de apoio à implementação da Lei 10.639/2003, que prevê o ensino da história da África e da cultura africana e afro-brasileira nas escolas brasileiras.
“O lançamento da coleção é o primeiro passo para efetiva e apropriada inclusão das questões etnico-raciais na educação brasileira. Agora, trabalhamos para que o conteúdo da obra seja transformado e adaptado para um público mais amplo e chegue nos espaços de formação dos profissionais da educação e às salas de aula do país”, afirma Marilza Regattieri, coordenadora do Programa de Educação das Relações Étnico-raciais do escritório da UNESCO no Brasil. A UNESCO, o MEC e a UFSCAR preparam agora materiais pedagógicos para que o conteúdo da coleção atinja um público mais amplo e alcance a educação básica, que devem ser lançados até o final de 2011.
Em ultima instância, essas ações visam contribuir para a transformação das relações étnico-raciais no país. “A UNESCO acredita que o conhecimento é a melhor base para trabalhar a compreensão mútua entre os povos e criar uma cultura de paz. Há uma relação entre essa compreensão e o desenvolvimento de uma nação que faz dessa uma estratégia para também construir identidades e afirmar direitos humanos ", finaliza Defourny.